segunda-feira, 23 de julho de 2012

Receita de leitura..."O nome da Rosa"

Composição
A ação d’O Nome da Rosa passa-se num imponente convento beneditino medieval nos Alpes Italianos, no século XIV. Este romance é a narração de Adso de Melk, quando este noviço beneditino vai, na qualidade de assessor, acompanhar o seu mestre, Guilherme de Baskerville, monge franciscano. Mas este monge não é nada comum. Ele é astuto e muito perspicaz, e consegue observar os mais ínfimos pormenores de tudo o que se passa a sua volta, sendo até, na minha opinião, comparável a Sherlock Holmes. Guilherme vai representar o Imperador Luís da Baviera com o objetivo de dialogar com os representantes do Papa João XXII sobre o estado da sociedade nos tempos que corriam. Ao chegar, o franciscano é confrontado com a morte recente de um monge, a qual é chamado a investigar. Dá-se então uma sucessão de crimes brutais e misteriosos e dentro desta abadia. Após investigar, Guilherme constata que a biblioteca da abadia, cuja vasta coleção de livros só está ao alcance do bibliotecário e o seu adjunto, é um elemento que se relaciona com as mortes dos monges. As discrições sobre esta biblioteca revelam que é uma estrutura espetacularmente organizada, com labirintos infindáveis, e que contém manuscritos que remontam até à altura de Aristóteles. Também são contadas lendas sobre seres fantásticos que a habitam, mantendo afastados todos os que tentarem penetrar nesta caixa forte de livros.
Um dia, Guilherme e Adso investigam uma sala, de onde viram o bibliotecário sair, e encontraram uma passagem secreta para a biblioteca proibida. Nessa mesma noite, chegou Bernardo Gui, um vil inquisidor e ex-colega de Guilherme, que foi para a abadia para ajudar a resolver o caso. Apanhando dois monges em atos de bruxaria, condena-os à fogueira por atos heréticos e pelo homicídio dos outros monges, mesmo sem ter certezas desta acusação. Guilherme, visto ser um homem bom e honesto discorda, prevendo até a ocorrência de mais mortes. Como os condenados confessaram na sala de tortura, Bernardo acusa igualmente Guilherme por heresia, também devido a uma disputa parecida no passado que levou Guilherme a deixar a vida de Inquisidor. Mas os homicídios continuam, o que leva Bernardo a crer que Guilherme está por detrás dos destes e manda prende-lo. A única saída que Guilherme tem é encontrar o livro que acha que está por detrás das mortes, então vai de novo à Biblioteca e encontra uma sala escondida, onde um dos monges mais importantes da abadia se encontra. Há então uma disputa e confusa perseguição na biblioteca, que resulta num grande incêndio que destrói a biblioteca por completo. Enquanto isto acontece, os camponeses revoltam-se contra Bernardo que mandou queimar os monges e uma camponesa que estava associada ao crime, resultando assim na morte de Bernardo e consequente ilibação de Guilherme. Adso e Guilherme escapam do incêndio, Guilherme consegue até salvar alguns livros, e os dois separam-se para o resto da vida. Este relato é escrito por Adso quando este já tem uma idade avançada.

Indicações
Algo espetacular neste livro é o facto de ser uma narração em primeira pessoa, e como está muito bem conseguida, há alturas em que o leitor parece estar envolvido no enredo. Neste aspeto o autor foi muito bem-sucedido, porque sempre que surgiam partes mais misteriosas e intrigantes, os sentimentos e medos eram muito bem transmitidos. Isto acontece devido às elaboradas descrições, não só da envolvência, mas também, e visto que o texto é narrado em primeira pessoa, dos sentimentos e sensações que o que Adso sentia.
Algo também fascinante é a perspicácia de Guilherme e a sua capacidade de reparar nos pormenores mais ínfimos, o que demonstra a sua elevada inteligência. Uma das melhores sensações retiradas da leitura é quando Guilherme fala de algo que está atrás no livro, acontecimento ao qual o leitor não dá importância na altura. Mas quando este começa a ligar as pequenas peças soltas que estavam para trás, começa a descobrir alguns mistérios, acabando por se tornar ele próprio num investigador. É também um bom retrato da sociedade da altura, onde o povo se subjugava à igreja e ao seu poder. No livro, por um lado vemos o povo que vivia no sopé da montanha onde se situava a abadia a viver com os restos que os monges despejavam pela vertente. Por outro lado assistimos à chegada de Bernardo num coche luxuoso, rodeado por guarda-costas e aios, vestido com mantos e peles. Isto representa o contraste entre a miséria do povo e a riqueza da igreja característico desta altura Medieval.

Precauções
A progressão da ação é, em algumas partes, demasiado lenta. Isto deve-se, principalmente, ao facto de haver descrições extremamente compridas e exageradamente detalhadas. Algumas vezes, estas são até desnecessárias, por caracterizarem elementos que não contribuem de modo nenhum para a progressão do texto. São o exemplo a descrição do portal da Igreja da abadia, que embora realce a sua imponência, não afeta a progressão da história, e a do labirinto da Biblioteca, a qual ajuda o leitor a visualizar o infindável labirinto, mas é por vezes exagerada, e nestas ocasiões, desnecessária à progressão. Por outro lado temos as descrições dos cadáveres, que vão acrescentando importantes detalhes e levam o leitor a chegar à solução dos mistérios, estando aqui uma situação onde as descrições são muito benéficas à progressão do texto e ao entusiasmo do leitor. Portanto, é preciso ter cuidado para que o livro não “absorva” o leitor, que vai ficar a pensar durante todo o dia no que leu, a rever todos os pormenores para descobrir o mistério antes da própria personagem! Mas estas descrições também deixam uma certa vontade de entrar na abadia, porque, por mais fiéis que as descrições sejam, ficam sempre aquém da imponência e beleza dos elementos em si e acabam por deixar aquele “bichinho” que nos faz querer percorrer biblioteca e subir o monte da abadia. Vão também aparecer muitas expressões e até frases inteiras em Latim, que dão imensa veracidade aos diálogos. Estas, embora possam ter pequenas informações adicionais, não afetam a compreensão geral do romance.


Posologia
Este livro é bom para ler em períodos de tempo longos, devido às exaustivas descrições. Caso contrário, haveria vezes em que se lia apenas descrições, o que provavelmente levava o leitor a desistir por não sentir progressão. Penso também que não é uma leitura de puro entretenimento, ou seja, quando o livro é lido com atenção e predisposição a leitura pode-se tornar muito mais produtiva e enriquecedora. Contém imensas informações e conteúdos no campo da filosofia, nos debates entre Guilherme e Adso, da história, com os enquadramentos dados pelo Adso, e biologia, nas discussões entre o ervanário. Se for visto como livro de puro entretenimento, além de não se aproveitar a sua potencialidade ao máximo, pode ser reconhecido como aborrecido, o que, novamente, pode levar à desistência.

Dose de leitura
Em breve chegámos à sala do espelho, já preparados para o jogo deformante que nos esperava. Levantámos as lâmpadas e iluminámos os versículos que encimavam a moldura, super thronos viginti quatuor... Agora o segredo estava esclarecido: a palavra quatuor tem sete letras, era preciso acionar sobre o q e o r. Pensei, excitado, fazê-lo eu: pousei rapidamente a lâmpada sobre a mesa e executei o gesto nervosamente, a chama foi lamber a encadernação de um livro que ali estava poisado.
                – Atenção tolo! – gritou Guilherme, e com um sopro apagou a chama. – Queres pegar fogo à biblioteca?
                Desculpei-me e fiz por reacender a candeia.
                – Não importa – disse Guilherme –, basta a minha. Toma-a e dá-me luz, porque a inscrição é demasiado alte e tu não chegarias lá. Façamos depressa.
                – E se estivesse lá alguém armado? – perguntei, enquanto Guilherme, quase às apalpadelas, procurava as letras fatais, erguendo-se na ponta dos pés, alto como era, para tocar o versículo apocalíptico.
                – Dá-me luz, pelo demónio, e não temas, Deus está connosco! – respondeu-me bastante incoerentemente.
                Os seus dedos estavam tocando o q de quartor, e eu, que estava uns passos atrás, via melhor que ele aquilo que estava fazendo. Já disse que as letras dos versículos pareciam entalhadas ou gravadas no muro: evidentemente as da palavra quartor eram constituídas por silhuetas de metal, por trás das quais estava encaixado e murado um prodigioso mecanismo. Porque, quando foi empurrado para frente, o q fez ouvir como que um golpe seco, e o mesmo aconteceu quando Guilherme acionou o r. A moldura inteira do espelho teve como que um sobressalto, e a superfície vítrea saltou para trás. O espelho era uma porta, articulada do lado esquerdo. Guilherme inseriu a mão na abertura que se tinha criado entre o bordo direito e o muro, e puxou para si. Chiando, a porta abriu-se para nós. Guilherme insinuou-se na abertura e eu deslizei atrás dele, elevando a candeia sobre a cabeça.
Duas horas depois de completas, no fim do sexto dia, no coração da noite que dava início ao sétimo dia, tínhamos penetrado no finis Africae. (p. 434-435)

Pedro Sousa, 11.º A

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